Cinema e Arquitetura: "Ultravioleta"

Se com seu filme anterior, "Equilibrium", em 2002, o diretor Kurt Wimmer conseguiu criar - com recursos limitados - uma história coerente com uma bela estética (hoje é considerado um filme cult); sua próxima obra seria exatamente o contrário. "Ultravioleta", não somente é considerado um despropósito visual de efeitos especiais rebuscados com uma história que não causa empatia ao espectador, mas também é visto como um dos piores filmes da década, tanto para o público como para a crítica. Tão grande se tornou seu fracasso que acabou com as aspirações do seu diretor em voltar a dirigir um filme.

Cinematograficamente, o filme peca pelo já clássico "estilo sobre substância", criando cenários impactantes, ricos em detalhes futuristas e com iluminações bem posicionadas, mas que resultam em recipientes muito bonitos para uma história frenética e quase desconexa. Neste sentido, as cenas de luta, detalhadamente coreografadas, possuem o estilo narrativo próprio de um musical onde a ação segue a música mas não o desenvolvimento de um filme completo. 

Grande parte do fracasso do filme deve-se a incapacidade do diretor na declaração das suas intenções à respeito da história. Desde o começo, é oferecida uma falsa origem do personagem no mundo dos comics, com múltiplas capas feitas por verdadeiros artistas do meio. Ao espectador é sugerido então, que o que está a ponto de ser visto é uma adaptação de um meio ao outro, uma mudança de linguagem. O que acontece é exatamente o contrário, a linguagem não somente não se adéqua como também é plagiada. 

O filme tenta, sem efetivamente conseguir, tornar-se uma novela gráfica cinematográfica diante dos olhos do espectador. Renderiza as imponentes e futuristas edificações da cidade de Shanghai, na China, em prol de torná-las parte de uma vinheta. Através da supersaturação do filtro azul e laranja, lhes resta realismo durante as cenas exteriores, tornando-as caricatas com a finalidade de integrá-las ao efeitos especias "convincentes" dadas as limitações financeiras. 

Esta artificialidade se contrapõe com o resto do filme, como se víssemos duas obras completamente diferentes. Os exteriores irreais, volumétricos e carentes de detalhes, contradizem o esforço posto nas cenas dos interiores, locações reais com um estilo industrial e High Tech ou sets de filmagem minimalistas onde os efeitos especiais passam desapercebidos na maioria das vezes. É uma contradição estética que afasta o espectador de qualquer coerência visual. 

Cabe destacar que dentro do filme existem muitos recursos que poderiam torna-lo uma obra muito melhor. A utilização da cidade de Changai como lar da filmagem foi um grande acerto. Sua estética futurista, repleta de altos arranha-céus de vidro e construções de vanguarda, resulta na perfeita ambientação para uma cidade do final do século XXI. Suas construções parecem desafiar a lógica imposta pelo modernismo, um perfeito espaço onde os incríveis avanços tecnológicos conseguem espalhar-se com perfeição. 

Os cenários reais foram selecionados especialmente para exibir uma grande limpeza visual e estrutural dentro da fotografia. A ideia era conformar uma cidade altamente industrializada e dominada pela tecnologia, tanto nos artigos da vida diária, no figurino, como na arquitetura e no urbanismo. As estruturas industriais onde se destaca o uso de aço, alumínio e vidro temperado, fazem ver a cidade como um elemento tão substituível como seus cidadãos. 

“Ultravioleta” é um bom exemplo de um projeto desperdiçado, com ambientações interiores invejáveis em muitos aspectos, mas que por falta de uma visão unificadora, termina por ser um produto incoerente e dificilmente digerível mesmo para o espectador aficionado . 

CENAS CHAVE

1. Influência do Mundo dos Comics

Desde o começo, o filme é apresentado como uma falsa adaptação do comic a linguagem do cinema, com uma heroína clássica de cartazes, sexy, perigosa e de formas estilizadas. 

2. Cidades Impossíveis e a Auto-paródia 

Renderizando os cenários reais da cidade de Changai e adicionando peças caricatas da arquitetura, o filme procura criar uma estética artificial própria de uma novela gráfica.  

3. Supersaturação de Filtros 

Para reafirmar a sensação de um mundo artificial, porém fantástico, as cenas exteriores foram saturadas ao limite através de filtros azuis para o dia e alaranjados para a tarde. 

4. Cenários Simétricos e Assépticos 

Os cenários do filme possuem um desenho depurado que recorre a um minimalismo de cores primárias, com uma forte imagem clínica que enfatiza seu caráter asséptico. 

5. Ambientação Industrial e de Alta Tecnologia 

Utilizando os skylines da cidade de Changai e Hong Kong, na China, a cidade do século XXI é apresentada de maneira tecnológica, com formas futuristas, repleta de aço e vidro temperado.

6. Brutalismo para uma Cidade Formiga

Os cenários ultra modernos do centro da cidade, são substituídos por uma arquitetura geométrica e funcional para as áreas marginalizadas que refletem um mundo superpovoado. 

7. Limpeza Visual e Estrutural

Os cenários abertos são selecionados cuidadosamente para exibir uma arquitetura High Tech onde predominam os elementos estruturais e pré-fabricados de caráter industrial. 

8. Presença de Tecnologias Impossíveis

O filme se destaca por seu trabalho detalhista no desenho das armas, figurinos e objetos cotidianos, cujo funcionamento hoje em dia parece impossível como um telefone celular feito de papel. 

9. Estética de Musical

A maior parte da cenografia desafia a lógica convencional, que somada a frenéticas cenas de luta coreografadas, confere ao filme um estilo narrativo de musical. 

10. Teatralidade Cinematográfica 

A iluminação possui um papel primordial no filme, conferindo realismo ou artificialidade quando se é requerido, mesclando os elementos e ocultando os vazios do olhar do espectador. 

11. Shanghai Science eTechnology Museum

Muitos dos cenários que parecem produto de efeitos especiais, são na verdade obras monumentais de arquitetura, que refletem o progresso de uma nação emergente. 

12. Obsessão pelo Simbolismo

Sendo uma história vampírica, a presença de cruzes se repete por todas as partes no filme, desde o figurino, o design de interiores, arquitetura e até o urbanismo fantasioso. 

FICHA TÉCNICA

Data de Estreia: 14 de abril 2006
Duração: 88 min.
Gênero: Ação / Ficção Científica 
Diretor: Kurt Wimmer
Roteiro: Kurt Wimmer
Fotografia: Arthur e Jimmy Wong

SINOPSE

No final do século XXI, uma estranha epidemia biológica de origem artificial altera o rumo da humanidade. Dentre os infectados surge uma subcultura vampírica dotada de habilidades sobre-humanas. Eles são tratados como seres marginalizados, considerados uma ameaça por parte do governo que, por sua vez, tomou a iniciativa de exterminá-los por completo. 

Violeta, uma bela e letal  mulher com um passado trágico, une-se a resistência e se torna a melhor carta do triunfo. Diante da aparição de uma nova arma biológica que poderia dar fim a guerra, Violeta é enviada para roubá-la. Mas o que ela acaba encontrando dentro, mudará por completo sua perspectiva de vingança pessoal. 

Sobre este autor
Cita: Altamirano, Rafael. "Cinema e Arquitetura: "Ultravioleta" " [Cine y Arquitectura: "Ultraviolet" ] 20 Nov 2015. ArchDaily Brasil. (Trad. Sbeghen Ghisleni, Camila) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/776591/cinema-e-arquitetura-ultravioleta> ISSN 0719-8906

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